Na estampa, um labirinto de sinapses, como se, nessa parede, estivesse escondido um elixir de estoicismo para todas as minitragédias de cada dia.
O ruído áspero do isopor no chão, o ranger do giz no quadro, o arrepio esquisito que o algodão provoca quando a gente o parte ao meio.
As pessoas que se encostam na barra de apoio do metrô, as que empurram o encosto da cadeira no cinema, as que furam a fila no balcão de informações para “pedir rapidinho uma informação”.
A pontada glacial na testa quando a gente toma sorvete, o torpor seco que a mostarda arranca do nariz, a urgência que se espalha pela língua quando comemos algo muito apimentado.
As herpes labiais que explodem de estresse no dia da entrevista de emprego, o metrô errado quando estamos atrasados, o fone descarregado numa viagem longa, e, claro, não poderia faltar, o esbarrão bem em cima do machucado.
Perder a conexão do telefone bem no meio daquela chamada ou troca de mensagens, o computador que faz atualizações quando se precisa trabalhar, a falta de energia no meio do filme.
Sempre aparece do nada alguém mais alto bem na sua frente no show — e, se não surgir, é o celular levantado que cobre a visão do alvo. Trocar de fila para a que anda mais rápido, só para a nova fila travar assim que você chega.
O zíper emperra, o salto quebra, as meias de cano curto escorregam para debaixo dos calcanhares quando mais se tem pressa. O botão da camisa se descostura, a bainha da calça se desmancha num dia de chuva. O guarda-chuva vira do avesso no meio da tempestade torrencial, a caneta falha na hora de uma assinatura crucial e, com certeza, o papel higiênico acaba, combinando com a descarga que se recusa a funcionar quando você estiver de visita na casa de alguém.
Você se irrita com a gota que cai da torneira num tiquetaque insistente, com o rangido nos ganchos da rede, o zumbido do mosquito, o alarme que grita sem você saber onde ele está. Você derrama o último copo de leite por acidente, joga fora uma anotação importante por engano e esquece a senha de acesso a um site no último dia de prazo pra qualquer coisa.
Os reveses sopram na direção contrária, e não é uma conspiração. O passo em falso faz parte da dança… Não é exclusividade de ninguém, ou você acha que é um “privilégio” seu? « No meio do caminho tinha uma pedra », esqueceu do Drummond? A mesma que aparece em forma de cisco no olho, dentro do sapato ou que é descoberta na mastigação do feijão porque escapou da triagem.
E no entanto, no furacão do caos, o desconforto consegue se dissipar, se você estiver em sintonia com sua essência. É quase fácil lidar com qualquer adversidade quando você est bien dans ta peau.
E se não for, todo ranço vira experiência social ou, simplesmente, poesia.
E aí? Que minitragédia você teria para me contar?
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